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Coluna do Repórter: Conhecendo o que aconteceu após o romance A MATA DAS ILUSÕES; Colônia Hirano celebra 110 anos

12/08/2025

Retrato de Hirano Unpei no Salão da Colônia Hirano (pintura de Handa Tomoo)
Retrato de Hirano Unpei no Kaikan da Colônia Hirano (pintura de Tomoo Handa)

Um encontro inesperado com uma sobrevivente

“Kunô, que aparece em ‘A MATA DAS ILUSÕES’ e que faleceu de malária, era minha avó”, relatou o sr. Mario Nassashi Nakao (84 anos, segunda geração). “Como as filhas de Kunô sobreviveram, nós estamos aqui hoje. Por isso, venho visitar o túmulo em sinal de gratidão.” Ao ouvir esse depoimento, fiquei profundamente surpreso. Isso aconteceu em 3 de agosto, em Cafélândia, Estado de São Paulo, durante a cerimônia de 110 anos da fundação da Colônia Hirano, quando, ao entrevistar os participantes, acabei por acaso encontrando-o.

A Colônia Hirano foi fundada em 3 de agosto de 1915 pelo intérprete do navio Kasato Maru, Umpei Hirano, que convocou os imigrantes a iniciar a colonização. Eram 82 famílias, cerca de 350 pessoas. Porém mais de 150 contraíram malária e, em menos de seis meses, mais de 60 morreram —uma das tragédias mais marcantes na história da imigração japonesa no Brasil.

Naquela época, os imigrantes japoneses trabalhavam como agricultores assalariados nas grandes fazendas de café brasileiras, substituindo, na prática, os escravizados libertos em 1888. Longe de juntar dinheiro para voltar ao Japão com riqueza e honra, muitos acabavam mais endividados. Diante disso, Hirano acreditava que a única saída para o futuro dos imigrantes era se tornarem proprietários de suas terras e agricultores independentes. Assim, reuniu adeptos e partiu com eles para abrir a colônia. Mas, logo de início, veio a malária. Quando a doença começou a ceder, uma praga de gafanhotos assolou as lavouras, trazendo nova desgraça.

Esses episódios dos primórdios foram ouvidos e registrados junto aos pioneiros e transformados em romance por Masao Daigo em “A MATA DAS ILUSÕES“ ( “MORI NO YUME“ Versão PDF). Uma das cenas mais marcantes é justamente a de Shizuka. Jamais imaginei que encontraria seus descendentes. A seguir, reproduzo a passagem da família Araki.

Da esquerda: genro de Nakao Mario Nakashi, Nakajima Silvio, filha Luciana, Sr. Nakashi, esposa Sra. Ojira
Da esq.: Silvio Nakashima, genro de Mario Nassashi Nakao; Luciana, filha; o Sr. Nassashi; e sua esposa, Odila

Trecho de “A MATA DAS ILUSÕES” — cena de Shizuka

Havia poucas famílias com dinheiro para comprar comida. Quem conseguia tomar mingau de batata-doce ou bolinhos de farinha já se considerava afortunado. O arroz começava a granar. “Se ao menos conseguirmos aguentar até a colheita, recuperaremos as forças”, pensavam, suportando a febre com os dentes cerrados. Quem sofria de “febre de três dias” ou “de quatro dias” e tinha um dia sem calafrios ia ao campo. Ao erguer a enxada, o corpo cambaleava —já nem se distinguia se era fraqueza pela febre ou pela fome.

Umpei calçava um sapato no pé direito e uma sandália de madeira no esquerdo: um pequeno ferimento não cicatrizava, infeccionara, e ele não conseguia usar o sapato no pé esquerdo. Mancando, dirigiu-se ao grande jatobá sob o qual ficava o barraco de Kenzo Araki.

“Vou entrar”, disse como sempre, sem obter resposta, afastando o saco de café vazio que servia de porta. Uma estranha sensação o invadiu.

No chão, algo se movia lentamente. Era Shizuka, tateando o seio da mãe.

“Será que o leite começou a sair um pouco?”, perguntou Umpei a Kuno, que, deitada de costas para ele, dormia junto ao bebê. Não houve resposta.

“Kuno”, chamou mais alto. Ela não se moveu.

“Ei!”, exclamou, aproximando-se e tocando-lhe o ombro. O corpo rolou de costas. O ombro exposto e o seio estavam gelados.

Privada do seio, Shizuka começou a chorar. Já não era mais o choro forte de um recém-nascido, mas um soluço convulso de um pequeno corpo em espasmos.

“Que insensatez...!”, murmurou, sem palavras.

“Se você morrer, quem vai criar a Shizuka? Me diga, quem?” — gritou, antes de curvar a cabeça e juntar as mãos, abatido.

“Perdão. Perdão... Você certamente não queria morrer. Deixar a pequena Shizuka recém-nascida e partir deve ter sido cruel demais. Você deve me odiar. Perdão.”

Nakao Mario Nasashi oferecendo incenso no 'Monumento às Vítimas do Desbravamento'
Mario Nassashi Nakao oferecendo incenso no Monumento aos Pioneiros Vítimas

“Sou grato por minha mãe ter sobrevivido. Por isso Visito o túmulo.”

A mãe que morreu deitada ao lado do bebê, vítima da malária. A filha, ainda inocente, tentando sugar o leite que não viria mais. E Umpei testemunhando a cena. Uma tragédia fruto do desconhecimento dos imigrantes japoneses sobre a doença e de como preveni-la ou tratá-la.

O sr. Nassashi Nakao contou:“Minha avó (Kunô) faleceu de malária em 1916 e meu avô (Araki Kenzô) também morreu da mesma doença dois anos depois. Eles tinham duas filhas: a mais velha era minha mãe, Chioka, e a mais nova se chamava Shizuka. O tio Kagasu Yonezaki, irmão de Kunô, levou a menina para Noroeste e a criou. Por isso, eu nasci em Getulina como filho de Chioka”.

Com as mãos postas, acrescentou: “Sou grato pelo fato de minha mãe, Chioka, ter sobrevivido, e por isso visitamos o cemitério velho e o cemitério japonês.”

O “cemitério velho” é o lote nº 1, às margens do rio Dourado, onde se formou o primeiro núcleo da colônia. Ali, restos mortais sem identificação foram reunidos, e hoje ergue-se o Monumento aos Pioneiros Sacrificados. Em julho de 2018, por ocasião do 110º aniversário da imigração japonesa, Sua Alteza Imperial Princesa Mako depositou flores no local. O cemitério japonês fica no lote nº 9, onde vivia Umpei Hirano, e abriga o seu túmulo.

Sr. Shigematsu Kazuo
Kazuo Shigematsu

A Colônia Hirano como origem da imigração

Perguntei a Kazuo Shigematsu (76 anos, 3ª geração), residente em Garça, sobre sua participação na cerimônia religiosa. “Meu pai nasceu em Barretos, mas viveu aqui por volta de 1925. Por isso, nasci aqui também. Depois, morei em Mogi e em outros lugares, mas acabei me estabelecendo nas proximidades, a cerca de 60 km daqui. Todos os anos venho visitar os túmulos dos meus antepassados e do Umpei Hirano. Gosto muito de ouvir o rōkyoku (canção narrativa) que fala sobre ele”.

“ Cresci a 1,5 km deste templo. Por isso, ouvir o som do sino do templo me traz muita nostalgia. Minha casa natal ainda existe, e estou hospedado lá desta vez. Acho que poucas pessoas no Brasil cresceram ouvindo o sino de um templo todos os dias”, comentou emocionado.

Após a cerimônia, perguntei a Jorge Yamashita, presidente do Conselho Deliberativo da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e de Assistência Social – Bunkyo, sobre suas impressões. “Senti que vim ao ponto de origem da imigração, ao lar espiritual de todos nós”, disse, comovido. Concordo plenamente. O que aconteceu aqui em 1916 deve ser contado e recontado, mesmo daqui a 150 ou 200 anos.

A história não avança de um salto. A base da prosperidade da comunidade nipo-brasileira de hoje foi construída sobre cada episódio da história da imigração japonesa, um a um, acumulados ao longo do tempo. (Masayuki Fukasawa)

Cerimônia memorial realizada no salão principal
Cerimônia budista realizada no salão principal

Links de referência (atualmente somente em japonês)

《Coluna do repórter》A maior tragédia da história da imigração, Colônia Hirano=Espírito indomável presente, terceira reconstrução do busto 8 de agosto de 2023

https://brasilnippou.com/ja/articles/230808-column

Colônia Hirano=Princesa Mako reza pelas vítimas da malária=Abraça senhora idosa que desabou em lágrimas=A maior oferenda aos pioneiros falecidos 28 de julho de 2018

https://www.nikkeyshimbun.jp/2018/180728-71colonia.html

Princesa Mako=Toda a Colônia Hirano se prepara para as boas-vindas=Reforma do salão, manutenção do monumento memorial="Tão ansioso que não consigo dormir à noite" 18 de julho de 2018

https://www.nikkeyshimbun.jp/2018/180718-71colonia.html

Celebração do centenário da Colônia Hirano=Cerimônia memorial pensando nas lutas dos pioneiros=Nova sala construída para cerimônia grandiosa=12 famílias receberam 500 pessoas 5 de agosto de 2015

https://www.nikkeyshimbun.jp/2015/150805-71colonia.html


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