Coluna: História de um nihonjin no Brasil, por Mario Jun Okuhara (18)

Em 1983, a emissora NHK lançou Oshin, uma novela que alcançou estrondoso sucesso em mais de 60 países. No Brasil, foi exibida em blocos semanais no programa Imagens do Japão, pela TV Gazeta, durante dois anos. O drama acompanha a protagonista diante de uma importante decisão empresarial e familiar, que a faz revisitar sua trajetória. Oshin Tanokura recorda as dificuldades do passado acompanhada do neto Kei. A narrativa da tradição oral — a avó transmitindo sua história ao neto — emocionou milhões de espectadores no mundo inteiro.
Quarenta e dois anos depois, o longa "Eu e Meu Avô Nihonjin", inspirado no livro "Nihonjin" de Oscar Nakazato, recorre à mesma fórmula: a força da memória transmitida entre gerações. Assim como Oshin partilha sua trajetória com Kei, Hideo Inabata desenterra lembranças para que o neto Noboru possa apresentá-las em um trabalho escolar. No centro da narrativa está a herança familiar que se conecta à história coletiva. Mas, no caso japonês, essa transmissão oral ilumina episódios de xenofobia, invisibilidade e repressão. O avô Hideo foi preso por ter sido professor de língua japonesa e impedido de educar os filhos de imigrantes durante o Estado Novo (1937–1945).
Dirigido e roteirizado por Celia Catunda — conhecida pela famosa série Peixonauta (2009) —, o longa-metragem trata com sensibilidade de temas caros à comunidade nipo-brasileira: exploração do trabalho no campo, perseguição política, racismo e estereótipos. A feliz escolha do formato em animação confere suavidade ao tratar de assuntos que incomodam os descendentes de japoneses até hoje.
“Quando a gente fala de Brasil, nessa mistura de raças, nunca incluem os orientais que fazem parte. Tanto que os descendentes de japoneses sempre são tratados como se não fossem tão brasileiros. A gente vê a pessoa negra e a branca como símbolos, mas o descendente de orientais é também um símbolo do brasileiro e pode enriquecer esse visual que a gente chama de povo brasileiro” — afirma a diretora.
De forma inédita, "Eu e Meu Avô Nihonjin" retira os imigrantes japoneses e seus descendentes da invisibilidade e os valoriza como parte integrante da História do Brasil. Mais do que um registro, o filme é um instrumento de educação que transcende raça, classe social ou credo. No enredo, o neto descendente de japoneses é amigo de um menino negro e de uma colega branca, descendente de portugueses. A mensagem emociona por sublinhar a importância da amizade pura das crianças e do enriquecimento cultural no convívio escolar.
Além disso, "Eu e Meu Avô Nihonjin" reafirma o poder da memória familiar como espelho da identidade coletiva e mostra que a história da imigração japonesa não é um caso de sucesso, mas sim, de superação das famílias. A família Inabata retratada no filme me fez lembrar de muita gente, de lugares que não existem mais, e de momentos que guardarei para sempre.
Batyan, Tio Atyan, Tia Nessan, Tio Uesugui, Tia Tereza, Tio Paulo, Tia Maria, Tia Minas, Tio Tamaki-san, Tia Gorda.
Meus primos Dinho, Yoshiaki, Takashi, Mayumi, Marcelo, Sumityan, Mauricio, Eliane, Keiti e Shinobu.
Papai e mamãe.
E, claro, as lembranças dos churrascos de fim de semana, do cheiro do makizushi na cozinha da Tia Nessan, da batyan preparando os enfeites do Tanabata Matsuri até de madrugada, da estadia no Hotel Miami do Sul em Itanhaém… Foi uma família linda e divertida.
"Eu e Meu Avô Nihonjin" é a história de muitas famílias nipo-brasileiras dos anos 1980 e traz à tona o debate sobre a identidade racial vivida pelas segundas e terceiras gerações daquela época. Hoje, tudo ficou mais claro: nipo-brasileiros não são japoneses. São brasileiros natos que descendem de imigrantes — e com muito orgulho.